sábado, 28 de fevereiro de 2009

Mirabeau e o senador


 

Ricardo Vélez Rodríguez

 

Há pessoas que intuem a natureza das coisas, como o astuto parlamentar francês Mirabeau, que dirigiu a Luís XVI as seguintes palavras, no início da Revolução Francesa: "Comparemos o novo estado de coisas com o Antigo Regime; aí encontrareis motivo para consolos e esperanças. Uma parte dos atos da Assembléia Nacional, a mais considerável, é evidentemente favorável ao governo monárquico. Não significará nada, por acaso, ter um país sem parlamento, sem governo de Estado, sem corporação de clérigos, de privilegiados, de nobreza? A idéia de constituir uma única classe de cidadãos teria agradado a Richelieu, pois esta superfície igual facilita o exercício do poder. Alguns reinos de governo absoluto não teriam feito tanto em prol da autoridade real quanto este único ano de Revolução.”

A entrevista concedida pelo senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) à revista Veja (18/2) é um fato revelador da natureza da política brasileira. Nada do que o parlamentar disse, porém, era desconhecido do grande público.

Que José Sarney é uma raposa que manterá as coisas como estão no Senado, atendendo aos seus compromissos clientelísticos, disso todo mundo sabe; que o PMDB é uma agremiação fisiológica, não há como negá-lo; que a corrupção não foi inventada pelo atual governo, mas que é prática consolidada na vida pública do nosso país, é lição que até as criancinhas sabem; que o PT rasgou a túnica da virgindade política, logo após o início do primeiro mandato lulista, com o festival de falcatruas que deu ensejo ao mensalão, é meridiano como a luz do meio-dia; que o Brasil perdeu a oportunidade de, tendo um governo com amplo apoio popular, efetivar as reformas necessárias, não há como negá-lo; que o Legislativo foi emasculado por um Executivo hipertrofiado e dono da bola da iniciativa legiferante, isso já todos nós sabíamos; que a política brasileira se tornou um festival de safadezas, em que os protagonistas cuidam, em geral, unicamente do seu, sem olhar para o bem do País, também é mais do conhecido.

Então, por que tanta celeuma em face da entrevista do senador? Por dois motivos, no meu entender.

Primeiro: se Lula não inventou a corrupção, à luz da entrevista de Jarbas Vasconcelos fica claro que a democratizou. O presidente, no sentir do senador pernambucano, com a sua retórica de banalização desse mal, decretou um "liberou geral" para a leviandade política. A instituição da Presidência tem, na história da República brasileira, um peso enorme, herdado da desastrosa progênie do castilhismo-getulismo. Lula não inventou a hipertrofia do Executivo na vida da Nação. Mas pôs toda essa influência a serviço da banalização dos deslizes na gestão da coisa pública. Ser corrupto virou coisa normal, se colocarmos a infinita compreensão do presidente para com os seus subordinados em face dos inúmeros episódios d e corrupção da vida pública patrocinados por eles (as escabrosas histórias do mensalão, dos sanguessugas, dos cartões corporativos, dos grampos das agências oficiais, da intimidação da imprensa, dos inquéritos e CPIs abafados pela base aliada, do terrorista anistiado pelo ministro da Justiça, dos esportistas cubanos que pediam asilo e foram entregues ao ditador do Caribe pelo mesmo ministro, etc.).

Vale aqui repetir as palavras do senador. "A corrupção sempre existiu, ninguém pode dizer que foi inventada por Lula ou pelo PT. Mas é fato que o comportamento do governo Lula contribui para essa banalização. Ele só afasta as pessoas depois de condenadas, todo mundo é inocente até prova
em contrário. Está aí o Obama dando o exemplo do que deve ser feito. Aqui, esperava-se que um operário ajudasse a mudar a política, com seu partido, que era o guardião da ética. O PT denunciava todos os desvios, prometia ser diferente ao chegar ao poder. Quando deixou cair à máscara, abriu a porta para a corrupção. O pensamento típico do servidor desonesto é: se o PT, que é o PT, mete a mão, por que eu não vou roubar? ''

Segundo motivo da celeuma causada pela entrevista: Lula, para manter o alto grau de popularidade, terminou corrompendo os eleitores de baixa renda, mediante uma política assistencialista escancarada, corporificada no programa Bolsa-Família.

“ O marketing e o assistencialismo de Lula", frisou Jarbas Vasconcelos, "conseguem mexer com o País inteiro. Imagine isso no Nordeste, que é a região mais pobre. Imagine em Pernambuco, que é a terra dele. Ele fez essa opção clara pelo assistencialismo para milhões de famílias, o que é uma chave para a popularidade em um país pobre. O Bolsa-Família é o maior programa oficial de compra de votos do mundo. (...) Há um benefício imediato e uma conseqüência futura nefasta, pois o programa não tem compromisso com a educação, com a qualificação, com a formação de quadros para o trabalho. "

E para ilustrar esse caráter nefasto do mencionado programa, o senador contou uma história que se passou em seu próprio Estado, Pernambuco: "Há um restaurante que eu freqüento há mais de 30 anos no bairro de Brasília Teimosa, no Recife. Na semana passada, cheguei lá e não encontrei o garçom que sempre me atendeu. Perguntei ao gerente e descobri que ele conseguiu uma bolsa, para ele e outra para o filho, e desistiu de trabalhar. Esse é um retrato do Bolsa-Família. A situação imediata do nordestino melhorou, mas a miséria social permanece. "

Lula conseguiu a façanha de unificar o País numa única classe, a dos dependentes do favor oficial.
 

Ricardo Vélez Rodríguez é coordenador do Centro de Pesquisas Estratégicas Paulino Soares de Sousa E-mail: rive2001@gmail.com

 

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Alguém neste país ainda limpa a bunda com jornal?